*Por Nathalia Gomes de Sousa
Com exceção dos Estados do Goiás e Santa Catarina, todos os Estados da Federação celebraram o Protocolo nº 26 de 2004 para estabelecer acordo interestadual de substituição tributária nas operações com rações tipo pet para animais domésticos, classificados na posição 2309 da NCM.
Nos termos da Nota Explicativa do Sistema Harmonizado (NESH), os produtos classificados na posição 2309 da NESH compreendem os produtos que:
(i) forneça ao animal uma alimentação diária racional e balanceada (alimentos completos);
(ii) complete os alimentos produzidos na propriedade agrícola, por adição de algumas substâncias orgânicas ou inorgânicas (alimentos complementares);
(iii) entre na fabricação dos alimentos completos ou dos alimentos complementares.
Ainda de acordo com a NESH, “incluem-se nesta posição os produtos do tipo utilizado na alimentação dos animais, obtidos pelo tratamento de matérias vegetais ou animais e que, por esse fato, perderam as características essenciais da matéria de origem, por exemplo, no caso dos produtos obtidos a partir de matérias vegetais, os que tenham sido sujeitos a um tratamento, de forma que as estruturas celulares específicas das matérias vegetais de origem já não sejam reconhecíveis ao microscópio”.
Em assim sendo, diversas são as Soluções de Consulta proferidas pela Receita Federal que determinam que se classificam nessa posição da NCM 3209 os alimentos complementares ou suplementos de sais minerais, matérias energéticas, aminoácidos e vitaminas – para cães, gatos, mustelídeos, répteis, aves e roedores de todas as idades, apresentado na forma de pó ou
líquidos, acondicionados pela venda a retalho e, mais comumente, comercializados em setores de loja específicos para produtos “farmacêuticos” para pet.
Mas os complementos ou suplementos são considerados como ração para fins de sujeição à substituição tributária? Depende.
O Estado do Rio de Janeiro publicou a recente Solução de Consulta nº 51/2020 a respeito do tema. De acordo com o relatado, a consulente, localizada em outro Estado, efetuou a venda de suplementos alimentares para pet para contribuinte localizado no Estado do Rio de Janeiro e, ao transitar pela barreira fiscal, foi autuada pela falta de recolhimento do ICMS-ST, com fundamento no item 11.1 do Anexo I do Livro II do RICMS/RJ.
O Estado, se valendo da terminologia trazida pelo Convênio ICMS nº 100/97, que concede benefícios fiscais para produtos agropecuários, conclui que o suplemento alimentar não compartilha o mesmo conceito de ração para pet, e, por esta razão, as operações realizadas com suplementos alimentares pet destinadas ao Estado do Rio de Janeiro, não estão sujeitas ao recolhimento do ICMS-ST.
De acordo com o referido Convênio ICMS, considera-se ração animal, qualquer mistura de ingredientes capaz de suprir as necessidades nutritivas para manutenção, desenvolvimento e produtividade dos animais a que se destinam; já o suplemento, é o ingrediente ou a mistura de ingredientes capaz de suprir a ração ou concentrado, em vitaminas, aminoácidos ou minerais, permitida a inclusão de aditivos.
De fato, não há dúvidas de que os produtos são distintos.
Mas então, por qual razão o contribuinte foi autuado pelo fisco?
Outro contribuinte, por sua vez, se direcionando ao fisco paranaense com uma questão bastante semelhante através da Consulta nº 42 de 2020, não teve a mesma sorte.
Se valendo das definições da Instrução Normativa do MAPA nº 30 de 2009, o contribuinte exara entendimento de que o produto por ele comercializado não é capaz, de maneira isolada, de suprir a alimentação do animal e, portanto, não se enquadrando no conceito de “alimento completo”. De fato.
Segundo o art. 3º da referida Instrução Normativa, o alimento completo é definido como um produto composto por ingredientes ou matérias primas e aditivos destinado exclusivamente à alimentação de animais de companhia, capaz de atender integralmente suas exigências nutricionais, podendo possuir propriedades específicas ou funcionais. Já o suplemento é caracterizado pela a mistura composta por ingredientes ou aditivos, podendo conter veículo ou excipiente, que deve ser fornecida diretamente aos animais para melhorar o balanço nutricional.
No entanto, o Estado do Paraná proferiu entendimento no sentido de que todos os produtos, ou seja, rações, snacks e bifinhos, suplemento alimentar e bolachas e biscoitos, que sejam classificados na posição 23.09 da NCM, sujeitam-se ao regime da substituição tributária, ainda que não apresentem a característica de alimento completo.
Justifica seu entendimento ao afirmar que a norma instituidora da substituição tributária se limitou a indicar apenas a posição a NCM e, sendo assim, abrange todos os produtos classificados nesta posição, e não apenas o produto classificado na NCM 2309.90.10, aplicável exclusivamente ao produto considerado alimento completo.
Em Resposta à Consulta anterior, nº 115 de 2013, o Estado do Paraná vai um pouco mais além.
Ele afasta explicitamente as definições trazidas pelo Convênio ICMS nº 100/97, sob entendimento de que o texto tem o condão de atender especificamente o setor agropecuário, e não tem aplicação à alimentação destinada a animais domésticos.
Ao mesmo tempo, em parágrafo seguinte, se utiliza da definição de ração proferido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para definir ração como uma porção de uma dieta fornecida aos animais na base diária.
E agora? O produto tem ou não tem ST?
Vale sempre lembrar que o §1º da Cláusula Sétima do Convênio ICMS nº 142/2018 nos esclarece que “na hipótese de a descrição do item não reproduzir a correspondente descrição do código ou posição utilizada na NCM/SH, o regime de substituição tributária em relação às operações subsequentes será aplicável somente aos bens e mercadorias identificados nos termos da descrição contida neste convênio”.
É claro que, se nos valermos do conceito tradicional da palavra ração, ou aquela definida em dicionário, iremos nos deparar com um conceito relacionado com a porção ou fracionamento de alimento. Mas não é o que entendemos, comercialmente, por ração.
Nosso maior desafio, enquanto tributaristas, é entender qual é a intenção do Fisco ao legislar. Muitas vezes, ao analisar uma legislação, é exigido que o profissional tenha, além da capacidade técnico-tributária, a sensibilidade de tratar produto por produto, muitas vezes tendo que nos debruçar em conceitos de química, mecânica, engenharia, entre tantas outras áreas do conhecimento.
Se tratando de substituição tributária, temos ainda que compreender qual a prática do mercado e qual é o produto que será comercializado para o consumidor final e que se pretende atingir com este regime de tributação.
Concordamos com o Estado do Rio de Janeiro, que também é seguido com a mesma opinião pelos Estado de São Paulo (Consulta nº 4.371/2015) e Mato Grosso (Consulta nº 23/2018), de que o suplemento alimentar não deveria ser objeto de substituição tributária, por não se tratar de ração para animais tipo pet. No entanto, tributar não é uma tarefa fácil e, muitas vezes, somos surpreendidos com opiniões e entendimentos diversos de cada um dos nossos Estados.
Para garantir o compliance tributário nas operações dos clientes Systax, nossos consultores se mantêm atentos e atualizados com os entendimentos de cada uma das 27 Unidades da Federação, tratando individualmente a compreensão de cada uma delas, totalizando mais de 20 milhões de regras tributárias, atualizadas diariamente. Não deixe de conferir nossas soluções!
* Nathalia Gomes de Sousa é Consultora Fiscal na Systax, empresa de inteligência fiscal e única a organizar um acervo com mais de 20 milhões de regras tributárias.